União de subespaços vetoriais.

O objetivo desse post é demonstrar o seguinte resultado de Álgebra Linear, que usamos o tempo todo mas que frequentemente não paramos para provar.

Teorema: Sejam V um espaço vetorial de dimensão finita sobre um corpo infinito \mathbb K e tome V_1,\dots, V_n\subseteq V subespaços vetoriais. Então, V_1\cup\cdots\cup V_n é um subespaço de V se, e só se, um dos V_i‘s contém todos os outros.

Antes de prová-lo, vejamos a consequência do Teorema que nos interessa.

Corolário: Sejam V um espaço vetorial de dimensão finita sobre um corpo infinito \mathbb K e tome f_1,\dots,f_n\in V^* não nulos. Então, existe v\in V tal que f_i(v)\neq 0 para todo i=1,\dots,n.

(Uma versão desse resultado é um exercício do Hoffman-Kunze.)

Para provar esse Corolário, consideramos os subespaços V_i:=\ker f_i. É preciso mostrar que V_1\cup\cdots\cup V_n\subsetneq V, e fazemos isso supondo o contrário. Então, V_1\cup\cdots\cup V_n = V é um subespaço vetorial de V, e pelo Teorema isso significa que, para algum V_i, V_i\supseteq V_j para todo j=1,\dots,n. Portanto, V=V_1\cup\cdots\cup V_n=V_i=\ker f_i, ou seja, f_i=0. Como supomos cada f_j\neq0, obtemos um absurdo.

(Para quem não sabe, a gente usa esse Corolário para produzir elementos regulares e completamente regulares em álgebras de Lie semissimples. No primeiro caso, os funcionais considerados são as raízes, e no segundo as diferenças entre elas.)

Demonstração do Teorema: (\Leftarrow) Imediato. (\Rightarrow) Se V_i\subseteq V_1\cup\cdots\cup\widehat{V_i}\cup\cdots\cup V_n para algum i, então podemos excluir o subespaço V_i da lista pois ele não contribui para a união V_1\cup\cdots\cup V_n. Logo, podemos supor, sem perda de generalidade, que V_1\nsubseteq V_2\cup\cdots\cup V_n. Vamos provar que V_i\subseteq V_1 para todo i. Seja v_0\in V_1\backslash(V_2\cup\cdots\cup V_n), e tomemos v\in V_2\cup\cdots\cup V_n qualquer. Como V_1\cup\cdots\cup V_n é subespaço e u_0,v\in V_1\cup\cdots\cup V_n, então ku_0+v\in V_1\cup\cdots\cup V_n para todo k\in\mathbb K. Logo, para cada k, ou kv_0+v\in V_1 ou kv_0+v\in V_2\cup\cdots\cup V_n.

\vdash k_0v_0+v\in V_1 para algum k_0\in\mathbb K.

Como v_0\notin V_2\cup\cdots\cup V_n, então para cada 2\leq i\leq n podemos escolher f_i\in V_i^0 tal que f_i(v_0)\neq 0, em que W^0:=\{f\in V^*:\forall w\in W,\, f(w)=0\} para cada W\subseteq V. (Isso porque \dim_\mathbb K V<\infty.) Consideremos o polinômio p(k)=\prod_{i=2}^n f_i(kv_0+v) = \prod_{i=2}^n \big(f_i(v_0)k+f_i(v)\big), e notemos que seu termo dominante é \left[\prod_{i=2}^n f_i(v_0)\right]k^{n-1}\neq 0. Com isso, p é não nulo de grau n-1, e portanto possui uma quantidade finita de raízes. Como \mathbb K é infinito, segue que existe k_0\in\mathbb K tal que p(k_0)\neq 0, i.e., tal que f_i(k_0v_0+v)\neq0 para todo 2\leq i\leq n, i.e., tal que k_0v_0+v\notin V_2\cup\cdots\cup V_n. Portanto, k_0v_0+v\in V_1. \dashv

Por fim, como v_0\in V_1 e k_0v_0+v\in V_1, temos v\in V_1. QED

(No caso em que \mathbb K é algebricamente fechado, dá para fazer uma demonstração bem curtinha desse Teorema usando a noção de redutibilidade de uma variedade algébrica. Mas isso envolve o Nullstellensatz e, honestamente, é usar canhão para matar mosca.)

Considerações finais.

  1. Obtive essa prova tentando emular a demonstração, mais simples, do caso n=2 (que também vale para corpos finitos). Nessa situação, V_2\cup\cdots\cup V_n=V_2 é um subespaço e o argumento envolvendo polinômios é desnecessário: se v_0\in V_1\backslash V_2 e v\in V_2, então v_0+v\in V_2 implica v_0=(v_0+v)-v\in V_2 e obtemos imediatamente que v_0+v\in V_1. Por outro lado, quando tentamos generalizar isso para n\geq3, esbarramos no problema que, em geral, V_2\cup\cdots\cup V_n não é subespaço, e v_0=(v_0+v)-v pode não estar em V_2\cup\cdots\cup V_n (e frequentemente este é o caso).
  2. Como contraexemplo, temos o espaço vetorial V=\mathbb Z_2\times\mathbb Z_2 sobre (o corpo finito) \mathbb Z_2. Tomando V_1=\{0;(1,0)\}, V_2=\{0;(1,1)\} e V_3=\{0;(0,1)\}, é imediato que V_1,V_2,V_3 são subespaços e que V=V_1\cup V_2\cup V_3.
  3. Para provar o Corolário diretamente, procede-se de maneira análoga à demonstração do Teorema, mas a passagem com anuladores não é necessária, o que faz com que o Corolário valha mesmo que \dim V=\infty.

Quem tiver correções ou comentários, é só postar um comentário abaixo. 😛

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